Carlos Roberto Maciel Levy

Crítico e Historiador de arte

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Fotografia reproduzida de: Laudelino de Oliveira Freire. Um século de pintura, Tipografia Röhe, 1916, p.415

Homenagens

Jerônimo José Teles Júnior 1851-1914
SESQUICENTENÁRIO DE NASCIMENTO EM 2001

Nascido e falecido em Recife, PE. Filho de um comandante de navios, com ele partiu muito cedo para o Rio Grande do Sul, onde transcorreu sua infância. Aos 16 anos era caixeiro na cidade do Rio Grande, e logo depois embarcou, como aprendiz de maquinista, no vapor União. No Rio de Janeiro cursou o Arsenal de Marinha, freqüentando a classe de Desenho e estagiando na oficina de limagens. Ainda encontrou tempo para cursar o Liceu de Artes e Ofícios. Já então, conforme escreveu em suas Memórias, "...me impressionavam muito os quadros do distinto paisagista brasileiro Com. Motta", e "...constantemente trabalhava para imitá-lo." Não fala, porém, que tenha sido aluno de Agostinho José da Mota, assim como não trata de qualquer encontro que tenha tido com Edoardo De Martino, no Sul. Algumas fontes, contudo, dão-no como discípulo de Motta e ajudante de De Martino, por volta de 1868, em Porto Alegre.

Encontrava-se ainda no Rio quando seu pai deixou a carreira marítima para se tornar leiloeiro em Porto Alegre. Abandonando seus cursos, rumou para o Sul, onde ganharia a vida como caixeiro de leilões.

Aos 19 anos voltou a Recife, casando-se em 1874 com uma prima que lhe daria oito filhos; desde então repartiu sua atividade entre a pintura e o comércio. Estudou fotografia, em Recife, com Joaquim J. de Oliveira, e se tornou sócio efetivo do recém-criado Liceu de Artes e Ofícios de Recife, para o qual organizou entre 1881 e 1888 várias exposições artístico-industriais. Da primeira dessas exposições participou Aurélio de Figueiredo, que se tornaria senão professor, ao menos orientador de Teles Júnior, o qual cita-o em suas Memórias como uma das influências que o marcaram, ao lado de Barradas, Augusto Roth e Delaire.

Em 1887, abandonando todas as atividades comerciais, Teles Júnior monta na Rua da Imperatriz seu ateliê — que logo se veria forçado a fechar. O falecimento do pai, em circunstâncias mal explicadas (foi encontrado em 1888 morto em um hotel de Cabedelo), e aborrecimentos freqüentes no Liceu tornaram-no amargo, de uma amargura que transpira de suas anotações autobiográficas escritas em 1895, nas quais se refere amiúde a inimigos, ingratos e desafetos. Num arroubo de melancolia, ali escreve não estar distante "...o dia em que terei de prestar contas ao Criador. Conheço, aqui dentro, essa hora fatal avizinhar-se pressurosa" — embora a tal "hora fatal" ainda demorasse quase 20 anos a chegar...

Aspecto curioso da personalidade de Teles Júnior foi a atenção que sempre dedicou a iniciativas que visassem o aprimoramento da classe operária. Essa tendência levou-o a apresentar, tão logo eleito deputado estadual, projeto de lei fixando em oito horas a jornada de trabalho, aprovado na Câmara e compreensivelmente derrubado no Senado.

Só bem maduro, em 1906, começou a participar do Salão Nacional de Belas Artes, conquistando então a menção de 2º grau. Gonzaga Duque fez-lhe reparos, dizendo que "...o seu acabamento acusa maneirismo e, nos detalhes, vemos persistências que denotam dificuldades". Dois anos mais tarde, porém, Teles Júnior seria aquinhoado com a medalha de ouro, tendo sido essa sua derradeira premiação, pois daí ao fim da vida deixou-se ficar, semi-esquecido, em sua terra natal.

Esse eterno aprendiz da pintura não foi, como se poderia pensar, pintor domingueiro, mas artista profissional, um dos melhores paisagistas que o Brasil jamais teve. Alguns críticos, como Virgílio Maurício, preferiram-no mesmo a Batista da Costa e a Parreiras.

As paisagens de Teles Júnior não retratam recantos poéticos ou visões paradisíacas; são, antes, evocações dos rincões agrestes em que pousou o olhar, a terra rude, quase selvagem em seus contornos, o matagal cerrado, as palmeiras esguias, as picadas no meio da mata por onde às vezes se esgueiram minúsculos personagens. Ele foi um intuitivo, aproximando-se dos seus temas comovidamente, para fixá-los com espontaneidade e sem pretensões, no que possuem de mais íntimo. Oliveira Lima, escrevendo em 1905, chamou-o de "...artista essencialmente pernambucano, mais do que isto, pintor da mata, não o pintor do sertão": e Gilberto Freyre completaria, muitos anos mais tarde:

"Ninguém até hoje no Brasil, que tenha sido, como pintor, mais de sua região e, dentro de sua região, de sua terra, do seu barro, do seu massapé do que Teles Júnior foi, não difusamente, do Nordeste mas, intensa e concentradamente, de Pernambuco, e em Pernambuco, do porto do Recife, dos montes de Olinda, das águas, das casas e dos coqueiros do litoral e, principalmente, da chamada mata, isto é, da sub-região de massapê, outrora de grandes matas, que os engenhos-de-açúcar marcaram com os traços de sua ocupação patriarcal e aristocrática".

A princípio trabalhando timidamente, Teles Júnior chegou, na fase final de sua carreira, a uma fatura sólida e larga, traduzida em pinceladas nervosas e de grande liberdade. Quanto à cor, também se animou gradativarnente, com o abandono da paleta inicial, de predominância terrosa, e a adoção de tonalidades vívidas, em que cantam os azuis de intensa luminosidade. A textura então robustece-se, ganhando corpo e relevo. E tudo isso o artista conseguiu praticamente sozinho, longe dos grandes centros, sem o apoio da crítica e sem poder trocar idéias com colegas, que mal os havia no Recife então.

Não pertenceu a rigor a nenhuma escola, e nem se filiou a modismo algum; foi, sim, um isolado, buscando fixar em suas telas a paisagem tropical, que sentiu como ninguém.

José Roberto Teixeira Leite
Extraído do livro Dicionário crítico da pintura no Brasil, ArtLivre, Rio de Janeiro, 1988 (versão digital em CD-ROM, Log On Informática, Rio de Janeiro, 1999).



TEXTO
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BIBLIOGRAFIA

TELLES JÚNIOR, Jerônimo José. "Memórias", Arquivo Público de Pernambuco. Recife, s/d

CAMPELLO, José. "As Artes em Pernambuco", Ilustração Brasileira, junho de 1924

CARDOSO, Joaquim. "Sobre a Pintura de Teles Júnior", Revista do Norte, nº 3, outubro de 1947

FREYRE, Gilberto. "Telles Júnior", Arquivo Público de Pernambuco, Recife, s/d

OLIVEIRA LIMA. "Telles Júnior", Revista do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico de Pernambuco, nº 83, Recife, 1914

PERETTI, J. "Telles Júnior", Fronteiras, Recife, v.19, nº 3-4, 1940

"Uma maquete de Teles Júnior", Diário de Pernambuco, 1º de abril de 1942

VAREJÃO, Lucílio. "Cinqüenta anos de pintura em Pernambuco", Arquivos, Recife, v.1, novembro de 1942, p.171-178

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