Karl Ernst Papf: 1833-1910
INTRODUÇÃO, por Carlos Roberto Maciel Levy
Muito pouco se tem feito, até os dias de hoje, por determinar as principais
influências diretas de origem européia sobre a arte brasileira durante o
século passado. Uma corrente, a francesa, tornou-se quase óbvia através da
poderosa atuação da Academia Imperial das Belas Artes, fundada sob a
inspiração dos princípios neoclássicos aqui chegados com os artistas que
formaram a Missão Lebreton em 1816. Porém, muito mais difícil será estimar
a qualidade específica das influências italianas e germânicas, quase sempre
dispersas num panorama de absoluto individualismo.
Ocorre então que, para estabelecer base adequada ao
aprofundamento do estudo deste tema, seria extremamente conveniente se
dispuséssemos de amplos recursos de conhecimento sobre os diversos artistas
de outras nacionalidades, que não a francesa, dentre os que trabalharam no
Brasil ao longo do século XIX.
Contudo, nossa bibliografia sobre arte é notavelmente
escassa no que se refere ao exame da vida e da obra dos autores de origem
estrangeira aqui radicados ou cuja passagem tenha deixado expressivos
vestígios documentais. É minha opinião que o âmbito de tais estudos deva
ser o mais abrangente possível, articulado segundo objetivos gerais e livre
de qualquer critério limitador apriorístico, até porque considero
verdadeiramente impossível instituir parâmetros de análise a propósito de
fenômenos que conhecemos muito pouco.
No curso de minhas atividades como crítico e historiador
de arte sempre me pareceu atraente a possibilidade de avaliar,
especificamente, alguns fatores essenciais sobre a influência de origem
alemã, de certo a menos óbvia, por inúmeras razões. Como professor da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, passei a dedicar parte de minha
disponibilidade docente à atividade de pesquisa, desenvolvendo projeto
assentado justamente sobre questões relativas à possível influência
germânica e suas características no contexto da arte brasileira do
oitocentos. Em decorrência deste trabalho muitos pontos foram sendo
sucessivamente esclarecidos, quase sempre no sentido de indicar os melhores
rumos a aplicar às tarefas de pesquisa. Assim, pude isolar dois elementos
paradigmáticos para as noções que vinham me interessando: os pintores Karl
Ernst Papf e Johann Georg Grimm.
Cada um destes dois artistas, tanto no que se refere aos
aspectos biográficos quanto à tipologia da obra realizada, reproduz
situações opostas e peculiares que podem proporcionar excelente instrumento
de estudo para a finalidade a que me propus. Quanto a Grimm, o conteúdo de
meu livro O Grupo Grimm: Paisagismo Brasileiro no Século XIX
(Edições Pinakotheke, 1980) é, segundo imagino, bastante esclarecedor. No
que toca a Karl Ernst Papf, o presente livro, agora em edição revisada,
procura demonstrar as limitações de um padrão de influência em tudo
diferente daquele exercido por Georg Grimm, mas, contudo, também um padrão
particularizado e dotado de significado próprio.
Na resenha de textos já publicados sobre a obra de Papf,
que constitui um dos capítulos seguintes, aparece uma observação assinada
por Luiz Gonzaga Duque Estrada, em 1888, na qual o célebre crítico
recrimina nos retratos executados por Papf a excessiva semelhança de traços
fisionômicos e a coloração que considerava pouco fiel. Em minha análise
sobre este depoimento de Gonzaga Duque, creio ser possível verificar o
quanto o suposto problema da semelhança estava condicionado ao uso
pioneiro, entre nós, dos recursos fotográficos como base para a pintura,
conforme praticado pelo artista alemão. Assim, as palavras do crítico,
intensamente adversas, parecem adquirir outro significado e um valor
bastante diferente daquele que possuíam quando interpretadas isoladamente,
agora que podem ser examinadas no contexto das informações discutidas neste
livro.
E, a meu ver, isso pode provar que o enfoque restrito e
setorial dos fenômenos relacionados ao passado das artes visuais no Brasil
constitui um ciclo fechado de equívocos e omissões, à medida que perpetua
uma determinada seqüência de leitura dos fatos históricos sobre a qual
raramente se aplicaram instrumentos eficazes de reflexão. Procurar romper
este estado de inércia, examinando de modo cuidadoso as diversas questões e
singularidades que integram o desenvolvimento pregresso de nossa arte, é a
meta da estrutura de organização que esta publicação possui como possível
qualidade essencial.
Maio de 1980
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Transcrito do livro publicado por Edições Pinakotheke,
Rio de Janeiro, 1980, p.9.
TEXTO:
Copyright © Carlos Roberto Maciel Levy, 1988-2015. Todos os direitos reservados.
IMAGEM:
KARL ERNST PAPF, Natureza-morta, 1896, coleção particular, Rio de Janeiro RJ.
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