O Grupo Grimm: Paisagismo Brasileiro no Século XIX
PREFÁCIO,
por Quirino Campofiorito
"Julgamos que agora se começa a traçar definições sobre a vida artística no Brasil,
tanto no terreno erudito como no popular. No caso deste livro de Carlos
Roberto Maciel Levy, está em causa o primeiro. Um marco importante de nossa
pintura, com o enfoque preciso, aparece no correr das influências dos
artistas da Missão Francesa de 1816, exatamente quando seus frutos se
demonstravam em toda a grandeza, pela obra da segunda geração preparada sob
os aparatos neoclassicistas daqueles mestres. Os métodos rígidos do
trabalho restrito ao interior dos ateliês escolares, os limites severos de
suas quatro paredes, os jovens subordinados à monótona visão da luz coada
de janelões envidraçados e das sombras enegrecidas pela ausência de
reflexos. Georg Grimm surge nesse momento como um grito alarmante, um gesto
desesperado, naquele cenário enfastioso que tinha prosseguimento, sem que a
saturação o parecesse abalar. Chamado para desincumbir-se do ensino de
paisagem na Academia Imperial das Belas Artes, o pintor alemão se mostra
irrequieto naquelas exíguas medidas de atuação que lhe eram impostas. Quer
de pronto fazer conhecer a seus discípulos a vida palpitante da natureza na
liberdade total de sua legítima atmosfera, fazê-los respirar aquele mesmo e
denso oxigênio que circulava no ar livre, límpido, envolto de luzes fugazes
e radiosas. Fazê-los sentir o contato imediato, a visão direta, o
sentimento estimulado pela surpresa e pelo encantamento do motivo que os
envolveria numa convivência indispensável.
Conforme vai dito com grande exatidão neste livro de
Carlos Roberto Maciel Levy, em seu capítulo inicial, a paisagem deixava de
ser elemento complementar do quadro, contribuição subsidiária, acessório, e
ganhava a importância de uma motivação que por si só justificava a obra,
constituindo, então. motivo integral e independente. Não mais a
contribuição de um fundo, porém presença definitiva. Assim se define o
marco que na pintura brasileira ressalta de muito a personalidade
consciente e conseqüente de Georg Grimm, professor da Academia Imperial das
Belas Artes, dissidente da modorra que ali imperava, separatista ante a
atitude do corpo de professores que não aceitava o que tão claramente se
impunha. Georg Grimm abandona o velho reduto de submissos aos preceitos
gerados através dos mestres franceses e o acompanha o grupo de discípulos
mais talentosos. É sem dúvida acontecimento este que afeta sobremodo o
status do ensino oficial.
O contato com Antônio Parreiras, a intimidade que nos foi
dada conviver no dia a dia do seu ateliê, o velho mestre sempre encantado
com seus pincéis e suas tintas, os quadros surgindo nos grandes telões, na
década de 1920, ligaram nossas atitudes com relação à história brasileira a
esse fato importante e sua personagem predominante, o severo e destemido
Georg Grimm. Quem no caminho moroso de nossa arte soube proporcionar um
aceleramento que veio ensinar nossos artistas a amarem a natureza em seu
contato direto e estimulou um gênero que toma singularidade na pintura
deste País, sustentando parâmetro universal. Antônio Parreiras e seus
colegas que também acompanharam Grimm, desde a época em que freqüentávamos
o ateliê do mestre de Sertanejas, passam a ser uma constante em nossos
critérios aplicados à evolução artística no Brasil. E nisto sempre nos
pareceu, com o tempo, que uma saudade se animava por um passado com o qual,
pela aproximação com Antônio Parreiras, fazia parecer termos realmente
convivido. E por vezes chegamos a pensar se todo nosso interesse não
decorria de um saudosismo que se manifestava sem que dele nos pudéssemos
afastar.
Carlos Roberto Maciel Levy, jovem crítico e pesquisador de
arte, com seu presente livro O Grupo Grimm: Paisagismo Brasileiro no
Século XIX, vem demonstrar que não era só um saudosismo o que nos vinha
animando. Sua geração se distancia muito mais que a nossa, dos fatos e do
contato pessoal com os remanescentes do Grupo Grimm e uma retomada com o
último deles, seguramente o mais capaz, o que a vida longa ajudou a
constatar, o mestre Antônio Parreiras. O interesse que o autor apresenta
por Grimm e seu grupo escapa a qualquer resquício de saudosismo que possa
ofuscar a grandeza dos fatos ocorridos e a bravura de seus heróis. Sentiu
com espontaneidade a imponência do detalhe histórico, avaliou bem, com o
devido distanciamento de espaço e tempo, a validade artística conseqüente.
Do labor árduo e apaixonado da pesquisa tirou a realidade que fica
estampada em seu livro, uma das mais sérias contribuições ao conhecimento
da evolução artística no Brasil".
Outubro de 1980
|
Transcrito do livro publicado por Edições Pinakotheke,
Rio de Janeiro, 1980, p.11-12.
TEXTO:
Copyright © Italo Campofiorito, 1993-2015. Todos os direitos reservados.
IMAGEM:
JOHANN GEORG GRIMM, Trecho de paisagem em Teresópolis, 1885, coleção particular, Rio de Janeiro RJ.
|